quarta-feira, 20 de abril de 2011

Em defesa do que fazemos - III

Para finalizar, querem saber como pode nascer um rumor ou criar-se uma ideia injusta? Atentem nesta hitória.

Ontem, eram 16h, entra o Sr. R na farmácia. Pede os seus medicamentos. Um colega meu procura a receita no local onde se encontram as receitas que esperam por ser levantadas e não havia nada para o Sr. R. Ele procura, procura, procura e... nada. Nisto, não encontrando nada, começa a receber ajuda de mais dois membros da equipa. Nada. Nem receita nem saco com medicamentos em nenhuma prateleira. Passam-se cinco minutos, a farmácia começa a encher e eu decido interromper o que estou a fazer e começar a ajudar. Não aparece receita para o Sr. R em nenhuma letra do alfabeto do ficheiro, não aparece nenhum saco nas prateleiras, nada... Eu decido procurar a receita no local onde colocamos as já entregues. Lá estava ela. Na receita havia uma referência à prateleira C1... mais uma vez saco nem vê-lo.

Dirijo-me ao Sr. R e explico-lhe que todos os nossos dados indicam que o saco foi entregue. Ele (repito: com a farmácia cheia) começa a dizer que o entregámos à pessoa errada. Explico-lhe que faz parte dos nossos procedimentos confirmar com cada utente a morada ou a data de nascimento antes de deixar sair seja o que for da farmácia. Pergunto-lhe se há a possibilidade de alguém ter ido buscar os medicamentos por ele. Diz-me que não. Impossível. Só ele vai buscar os medicamentos. Peço-lhe que ligue para casa para confirmar isso mas que não se preocupe que não deixava a farmácia sem medicamentos. Ignorando o dinheiro que íamos perder e as regras que não me deixam dispensar duas vezes a mesma receita eu ia dispensá-la imediatamente.

Estou a meio de acabar as etiquetas, vem o Sr. R envergonhadíssimo pedir-me desculpa. Estava confundido. Ele próprio já tinha ido buscar aqueles medicamentos nesse dia de manhã. Agora, tinha saido de casa para ir ao centro de saúde buscar uma receita para a mulher e confundiu-se pelo caminho. Tinha acabado de ligar para casa e a mulher é que o relembrou. O pior é que as seis pessoas que tinham assistido ao início da cena já lá não estavam para assistir ao momento em que ele nos disse isto. E assim pode nascer um boato.

Passado meia hora, já em casa, o Sr. R liga-me, envergonhado, para pedir desculpa novamente. Digo-lhe o que já lhe tinha dito antes: que não fique envergonhado, que não foi o primeiro, que não será o último e que não há problema nenhum. Estaremos ali todos os dias que ele precisar.

Ah... e tudo isto levou tempo...

3 comentários:

Eugénio disse...

Caro Lage,

Fico indignado por ti, sobretudo por realmente entender a situação. Poucos profissionais de saúde (mesmo no UK) trabalham ao ritmo louco com que muitos farmacêuticos trabalham. (os utentes, e com naturalidade, não têm noção do que passamos).

Quanto à reacção da companhia, é o esperado (acredito que não tenha sido agora que perdeste a inocência quando à companhia). A reacção é sempre a politicamente correcta de forma a agradar ao público.

Quanto à tua situação profissional não a queria nem por nada. Se a tua farmácia faz isso tudo gastando 1 farmacêutico apenas (e um locum ocasionalmente), tu és um superherói. Menos de 53k- 55k seria explorar-te. Não te deixes "domesticar" com elogios ou prémios, das grandes companhias o reconhecimento tem que passar invariávelmente por DINHEIRO. (como podes ver entre ti e um cliente sem razão vão sempre defendê-lo a ele).

Reconhecimento genuíno poderás receber se trabalhares para uma "independent pharmacy" (eventualmente)


PS: Imagino o dia que não terás tido hoje. (todos nós tivemos, mas em farmácias ocupadas é terrível) Espero que não te tenhas desmotivado, porque para dias como o de hoje toda a motivação é pouca.

Abraço

PS: A Ana trabalha prá CoOP a um ritmo quase semelhante ao teu, e chega a casa muitas vezes frustrada com a companhia (pelas mais diversas razões)

André Lage disse...

Começando pelo dia de hoje... Olha nem vale a pena... Tu imaginas, né? Dois feriados à porta, aquilo parecia o fim do mundo.

Quanto a possível desmotivação, não há nem nunca houve. Foi o que eu disse hoje àqueles que trabalham comigo: cada um de nós tem que ter convicção do que faz. E não pode andar ao sabor de elogios para se sentir bem ou críticas desmotivar. Intrinsecamente, cada um tem de ser forte e consciente o suficiente para perceber o quanto o que faz é bom ou mau.

Ainda hoje uma colega minha que trabalha das 9 às 15, entrou, com a filha, às 7h e saiu de lá comigo às 19h (e nem parou para almoçar). Chega o fim do dia e eu tenho que lhes agradecer. Mas não tenho (nem o faço) de lhes dizer que elas fizeram um bom trabalho. Elas tem de saber que fizeram um grande trabalho, independentemente do que eu ou outros lhea digamos.

Finalmente, quanto à Companhia, foi o esperado e, de facto, há muito que sei que assim é. Por isso mesmo não tive a mínima pena quando me sentei duas vezes com eles a ré-negociar o meu contrato, nem tenho mínimo pudor de ganhar o que dizes. Dou lhes muito e não é com palmadinhas nas costas que eles no pagam. É ao dia 26 de cada mês. E aí é até ao cêntimo. Não perdoo nada. E quando se enganam, recebem um telefonema no dia 27 a dizer o que falta.

André Lage disse...

Nao sabia que o Zé lia este blog:


José Mourinho considerou que "não é por perder uma final que o FC Barcelona passou a ser uma má equipa" e lançou uma primeira "bicada" na imprensa de Madrid, que é "fantástica a tentar destruir pessoas e equipas e fantástica para elogiar logo a seguir".

O treinador do Real Madrid faz mesmo uma comparação entre si e a imprensa da capital: "Sou o contrário, sou equilibrado nos momentos negativos e nos momentos positivos, sabendo a qualidade que tenho e a necessidade de manter a tranquilidade e seguir em frente".

"A mim não me matam porque eu sou todo equilíbrio e quero que a minha equipa seja assim. "
In Record - 23/04/2011