quarta-feira, 20 de abril de 2011

Em defesa do que fazemos - I

Quem lê o que aqui escrevo deve criar a imagem de que o meu trabalho no UK é um constante mar de rosas. No geral, gosto muito do que faço mas há dias, como o de hoje, que são frustrantes. Vem isto a propósito de uma notícia que saiu num  jornal local de Gloucester. Na dita, um grupo de cidadãos reclama contra o facto de já ter esperado meia ou até uma hora, por receitas, na minha farmácia. Permitam-me que me defenda e que explique o quanto isto é injusto para mim e para aquela equipa.

Para começar, devo dizer que os utentes de uma farmácia, em Inglaterra, vêem apenas 15% a 20% do volume de trabalho que nos passa pelas mãos. Os restantes 80-85% chegam-nos diariamente de uma forma automática e têm de ser processados igualmente pois há utentes a depender deles. Por outro lado, entre as muitas coisas que os utentes não sabem, uma delas é que qualquer simples comprimido que saia de uma farmácia tem de ser dispensado e registado informaticamente por  dois membros diferentes da equipa e depois clinicamente validado por um farmacêutico.

Ora,  na minha farmácia dispensam-se diariamente uma média de 500 linhas de medicamentos (cada linha pode ter uma unidade ou trezentas), preparam-se mensalmente quase 100 dossette-boxes para pacientes incapazes de usar as caixas normais de medicamentos, fazem-se mensalmente cerca de 15 consultas de dispensa de contracepção de emergência, gere-se um contrato de abastecimento de um estabelecimento prisiomal, atendem-se mais de 50 telefonemas por dia e nunca se deixa niguém que queira falar com o farmacêutico mais de 20 segundos à espera. No topo de tudo isto, tenho a certeza que a farmácia onde trabalho é a mais limpa de todas onde já trabalhei e que a equipa que comigo trabalha é das mais organizadas com quem já trabalhei.

Mais: quantas vezes a equipa não entra às 7 da manhã (sim, às 7h00m) para começar a despachar trabalho? Quantas vezes não saem eles várias horas mais tarde do que deviam, sem por isso receberem mais? Quantas vezes não saimos da farmácia, depois de dez horas e meia non-stop, e, sem seguro para tal, ainda vamos levar algo a casa de alguém, porque os centros de saúde se atrasaram a enviar-nos as receitas, e os utentes precisam dos medicamentos com urgência? Quantas vezes não nos agradecem as pessoas por sentirem que fizémos um esforço extra por elas? Quantas miúdas não me agradeceram já, o cuidado que tenho com elas quando lhes explico tudo o que têm de saber sobre a contracepção de emergência? Quantas vezes não me chama a equipa por dia (ao contrário do que se faz nalgumas farmácias), porque o computador indica uma interacção na medicação de um utente e eu tenho que avaliar a situação e decidir o que fazer? E destas, quantas acções são fulcrais para a segurança dos utentes?

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