quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Sinais dos tempos


Por força da existência do blog e graças, também, à ida há uns meses à FFUC, recebo, amiúde, no mail, mensagens de colegas que procuram saber como é a experiência de um farmacêutico no UK e, nalguns casos, manifestando interesse em também vir. Neste momento, como lhes tenho dito, a facilidade em vir, não está como já esteve. Conheço um caso de uma emigrante recente mas, sem dúvida, que a vinda está muito complicada. Mas não é sobre isso que quero escrever.

O que me choca (é esta a palavra certa) são os testemunhos que me vão chegando. Os testemunhos de colegas que investiram imenso numa formação qualificada, que se dedicam ao que fazem e que se vêem, por um lado, numa carreira limitada e desmotivante (porque o papel do farmacêutico de oficina, em Portugal, é isso mesmo: limitado); e por outro que são agora vítimas de cortes de direitos, ordenados e regalias, que roçam a exploração.  A estes relatos, juntam-se as notícias que leio sobre o estado geral das coisas em Portugal e, muito particularmente, o estado da Farmácia (com a recente guerra aberta entre médicos e farnacêuticos, da qual nem uma Ordem nem a outra saem bem vistas).

E perguntam-me muitas vezes: mas o que é que é assim tão diferente, aí? Bom... a resposta a esta pergunta dava um bom livro. Mas se tivesse que o resumir num parágrafo diria que aqui trabalho em parceria com médicos/enfermeiros/outros profissionais de saúde/os próprios utentes e sou parte de um Sistema de Saúde onde ninguém precisa de se achar superior a ninguém e onde todos trabalham em conjunto, com vista ao que realmente interessa: a qualidade do serviço prestado aos utentes.

Para além de todo o respeito social que aqui há pela profissão, para além de toda a responsabilidade que está no que faço, para além de toda a pressão a que estou sujeito, para além do muito mais dinheiro que aqui ganho, para além de toda a qualidade de serviços que as farmácias colocam ao serviço dos utentes, para além de todas as funções de gestão que tenho; se tivesse que resumir porque é tão diferente o que faço, é no parágrafo anterior que o resumo está.

Ainda no outro dia, achei que uma dada dosagem de antibiótico era alta para a idade de uma criança. Liguei ao médico. Estava ocupado (também se fartam de trabalhar aqui). Ligou-me passados dez minutos e explicou a razão da dosagem como sendo um caso específico previsto no BNF. Pedi desculpa por lhe ter interrompido o trabalho ao que ele me responde: "Não. Não. Você não tem que pedir desculpa. Você tem é que me interromper sempre que algo lhe chamar a atenção. Nós gostamos de saber que podemos contar convosco como uma "rede de segurança". Dá para perceber a ideia, certo? Em Portugal, não só não agradecia, como não dava possibilidade de qualquer discussão, como levava a mal eu ter ligado. Isto se chegasse sequer a telefonar-me de volta. Aqui também já deve ter sido assim, mas desde que um tal de Dr. Harold Shipman se lembrou de matar mais de 200 pacientes, criou-se um sistema integrado de que todos (do médico ao utente) fazem parte e onde todos controlam o trabalho de todos.

A juntar a estas diferenças, todas as notícias que chegam de Portugal (do estado das coisas em geral e da minha profissão em particular) deixam-me triste. Principalmente, conhecendo o potencial do país, dos portugueses e dos meus colegas farmacêuticos em especial, e comparando com os ingleses que vejo não terêm nada a mais que nós. Estou cada vez mais seguro do timming e acerto da decisão que tomámos ao vir, e feliz pela forma como ambos nos impusémos e como as coisas nos correm, mas fico muito triste pelo meu país e pela forma como esta geração está a ter que se voltar para o estrangeiro para ver o investimento que fez na sua formação, reconhecido e valorizado. 

2 comentários:

Nuno Gabriel disse...

Muito bom post! Infelizmente está complicado...

Abraço amigo tanana

Margarida disse...

Concordo com tudo. E tenho realmente pena que o nosso país esteja assim pq não nos acho em nada inferiores aos ingleses (mas um dos pharmacy managers com quem fiz o training foi o pre-reg of the year e sabia TUDO o q me stressou um bocado!). Também tenho recebido muitos mails de pessoas a perguntar como foi a vinda/se estou a gostar/etc e fico triste por saber que vêm porque nalguns casos a situação em que estão é msmo exploração, não roça! Mas cm bem disseste é difícil e eu nem fazia ideia do difícil que é.. e também tenho ideia que já não há grande procura de farmacêuticos. Mas havendo vontade e espírito alguma coisa há-de surgir! :)